Uma narrativa marcante e pulsante: a publicidade enquanto história

Ela anda de braços com a economia, mas também divulgou ideias e instigou nações ao confronto. A propaganda atravessa nossa vida, mas garante “não andar na contra-mão” e seria sempre “o sucesso”?

A publicidade tornou-se elemento cultural, sendo parte da paisagem de muitas cidades com seus cartazes lambe-lambe colados nas paredes, slogan impactantes, interjeições (Compre! Venha! Veja!), adjetivos (Novo! Moderno! Último tipo!), imagens e cores. São recorrentes imagens de cartazes vintage da época da guerra que, ressignificados, são utilizados para os mais diversos fins na atualidade ou imagens de propaganda que se tornam traduções de uma época, como as propagandas de cigarros nos anos 1970 e 1980.

Em Goiás e no Brasil, as propagandas surgem com a imprensa escrita. Alguns estudiosos entendem que a primeira propaganda em território goiano apareceria na forma de classificado no primeiro jornal da província, a Matutina Meiapontense. Era o anúncio de uma rifa para arrecadar fundos para hospital São Pedro d’Alcântara, na cidade de Goiás, em 1830. Mas essa era uma propaganda diferente das que estamos acostumados. Se formos pensar em uma que se assemelhe com as que vemos atualmente em todas as partes, ela só aparece quase cem anos depois, em 1917, para anunciar uma agroindústria de produção de carne na revista Informação Goyana (com “y” mesmo). Porém esse “reclame” era voltado para o mercado externo, já que a revista buscava divulgar Goiás com um lugar em modernização para as principais localidades do país e suas elites (para ter-se ideia, essa propaganda era bilingue, escrita em português e inglês).

É conhecida a frase de George Orwell sobre jornalismo e publicidade (“Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.”). Podemos entender que tal frase é dura com ambas as atividades, mas ainda assim percebemos que elas andam de mãos dadas, visto que a publicidade surge e cresce à medida que a imprensa se populariza. Além disso, não podemos esquecer que o aumento da produção e do consumo de bens e serviços nas cidades foi um grande motor para o crescimento da publicidade.

A publicidade é de tal forma marcante no Século XX que acabou por ter um dia “próprio”, para sua celebração. O dia 4 de dezembro representa o marco não na produção e veiculação de anúncios, mas sim a memória do desejo de alguns encarregados desse setor, quando ainda era novidade no ano de 1936 na Argentina, de profissionalizar o produto final que era produzido, buscando criar um estudo sistemático e organizado da “matéria”. No ano seguinte a ideia se espalhou, surgindo o “Dia Pan-americano da Propaganda” e nos anos 1970 o dia passou a ser considerado mundial.

O rádio e a televisão, assim como a imprensa escrita, são veículos que, desde seus primórdios, tiveram uma participação importante da propaganda. No rádio, ela foi inicialmente vetada, pois ele era imaginado como um veículo educativo e cultural. Claro que havia formas “espertas” para burlar a proibição das propagandas (ou a limitação financeira do patrocinador) com o jabá: uma citação “despretensiosa” de um abraço ao amigo da padaria ou do açougue do bairro, a troco de algum dinheiro diretamente entregue ao locutor. A pressão financeira faz que as rádios apostem no entretenimento e com ele temos o surgimento da figura do patrocínio, autorizado pelo governo no fim dos anos 1930.

As rádios goianas não surgiram sob a égide da proibição da propaganda, pelo contrário: florescem por conta dela. No primeiro momento, quando ainda eram simples alto-falantes instalados por particulares ou igrejas nas praças das cidades nas décadas de 1920 e 1930, era o oferecimento musical de certas lojas (as vezes também proprietárias do sistema de áudio) que remunerava o sistema. Posteriormente, esses propagandistas – e algumas agências que vão se organizando nas capitais – passam a patrocinar programas, que levavam o nome do patrocinador e eram oferecidos às emissoras, que não precisavam gastar com estrutura. Surgem programas nesses moldes que fazem história, como o Repórter Esso.

Assim como o rádio, a televisão surge com a figura do “oferecimento” do programa, que levava o nome do patrocinador e, por vezes, contava com a vantagem de poder mostrar seu produto no meio que estava se popularizando. Com a nacionalização das transmissões televisivas, a propaganda ganhou novos contornos, oferecendo produtos e serviços em lugares tão diferentes quanto o interior da Amazônia e o centro de Goiânia, a rua da praia em Porto Alegre e uma periferia em São Paulo, mudando o universo da propaganda. Algumas vezes as diferenças regionais ainda se mostram presentes, fazendo com que produtos locais tenham propagandas marcantes, como lojas de serviços automotivos ou refrigerantes regionais, com forte apelo identitário.

Com o advento da internet, a carga de propaganda a qual somos expostos tornou-se ainda maior. Soma-se a isso a dificuldade imposta por certos materiais na diferenciação deles entre publicidade ou notícia. Se não é possível sustentar o sistema econômico e ideológico sem propaganda, o desafio proposto aos publicitários acaba sendo mostrar as vantagens dos produtos de seus clientes sem que para isso lancem mão de recursos que deixem o público comprando “gato por lebre”.

Givaldo Corcinio – historiador – ABC Digital

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