Mercado Municipal, uma rajada de ar puro em Goiás

Mercado de Goiás

Heitor e Sílvia Reali – publicado no Estadão Viagem de 2 de Fevereiro de 2017

Um mercado tem a mesma importância de um templo, convento ou teatro, considerados patrimônios por seus valores arquitetônicos e históricos? Com seus produtos e serviços disponíveis em diversos locais, hoje os mercados perderam espaço. Muitos sumiram do mapa. Mas não o mercado de Goiás.

Mercado de Goiás

E qual é o valor de um mercado? Então me diga onde mais posso colher a essência de um lugar em poucas horas? Local de magnetismo absoluto, o mercado é uma das mais abrangentes possibilidades de se conhecer um povo, como as pessoas se relacionam, do que se alimentam, o que a terra produz, a diversidade do trabalho artesanal e, ahhh!, ainda desperta o apetite de saber mais sobre a cidade.

Através dos séculos o mercado favoreceu a circulação de ideias e costumes e hoje é também meca gastronômica, lugar de peregrinação para os amantes do bom gosto.

Deixe-se guiar por aromas, cores, sabores, sons e curiosidades. Você verá que mercados dão pouca trégua aos sentidos.

Cidade de Goiás

Agora sopro um pouco de história, pois mercados devem ser o mais antigo ponto de encontro da humanidade. Conta-se que já existia em Atenas no século 5 a.C., e que não houve mercado mais prestigioso no planeta do que o de Tlatelolco no antigo México. Sua beleza, raridade de produtos expostos, e organização deixou os colonizadores com cara de nabo. Contudo, Tlatelolco não sobreviveu à conquista espanhola.

O Mercado Municipal de Goiás, porém, resistiu a viração do passado.

Vista do coreto de Goiás

Aninhado em harmonia com a Serra Dourada, o Arraial de Sant’Anna, depois Vila Boa de Goyaz, e finalmente Goiás, tem graciosas ruas de pedra. As casas rimam com as curvas e ladeiras do terreno, e respiram nas pracinhas com coreto ou chafariz. Graças a sua preservação, em 2001, a cidade foi eleita Patrimônio Mundial da UNESCO. Estão bem mantidas também sua natureza do entorno, sua cultura e tradições como a Procissão do Fogaréu.

Mercado de Goiás

Mas, o xodó dali hoje é o Mercado que reabriu suas portas em dezembro de 2016. Reviveu com o minucioso restauro que tomou dois anos de intenso trabalho dos técnicos, arquitetos e engenheiros do Iphan (Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Para a renomada filha da terra, Cora Coralina (1889-1985), poeta e escritora, “A graça da cidade: a vida do Mercado. A vidinha do Mercado é a graça da cidade”.

Mercado de Goiá

O Mercado de Goiás, inaugurado em 1926, passou pelo furacão do tempo. Quando a cidade em 1937 perdeu o posto de capital do Estado, além do fechamento de suas minas de ouro, não só o mercado, mas toda cidade estagnou.

No antigo mercado, os boxes para os produtos da terra foram invadidos por um comércio de tudo um pouco e nada. Seu amplo espaço central, antes onde os tropeiros vendiam e compravam seus cavalos, virou uma ruidosa e poluente rodoviária com entra e sai de ônibus, além de estacionamento de motos e automóveis.

 

Mercado de Goiás

Graças ao restauro do Iphan, ganhou seu frescor e brilho de volta. Vieram a luz, por exemplo, os detalhes das volutas das colunas feitos em cerâmica. E não se pode esquecer de louvar seus víveres diversos, os odores mesclados, sabores divinos, cores variadas, e ainda o murmurejar da prosa boa dos negociantes com os fregueses. Frutas e verduras, licores, garrafadas de ervas para as mazelas do corpo ou da alma, farinhas de mandioca recém-torradas, o alvo e puríssimo polvilho que entra em um sem número de receitas doces ou salgadas, ‘branquinhas’, e panelas e utensílios para cozinha com design caboclo.

 

pastelão goiano

Uma vez lá prove as iguarias salgadas como o suculento pastelão goiano feito com guariroba, ou gueroba, palmito amargoso típico de lá, ou ainda um bolo de arroz. Dentre os doces, experimente a delicadeza impar do pastelinho de Goiás que é feito de massa fina coberta com doce de leite bem moreninho por conta da canela que entra no recheio.

Já o Mané Pelado, da Pamonharia do Emival é de respirar fundo. Mas, chegue cedo, porque os manés que ele assa as seis da manhã, as nove já não sobra um peladinho sequer para contar a história. Depois me conte se o Mané Pelado do mercado não valeu a viagem.

Mercado de Goiás

Passados quase cem anos, o mercado mudou de vida, é o verdadeiro pulmão da cidade, transforma e reafirma a cultura, e as tradições.

Para Salma Saddi, diretora do Iphan do Estado de Goiás, ele merecia ser preservado tanto no aspecto arquitetônico quanto em sua feição imaterial: ”O mercado de Goiás deveria ser valorizado também no que há de mais íntimo em nossa cidade, onde exalam os aromas de nossa culinária, onde são degustados nossos sabores, onde nossa gente deixa-se ficar para um dedinho de prosa. Assim, ganha fôlego para atravessar séculos”.

O Mercado Municipal irá de vento em popa com o que a criatividade goiana, imprevisível, puder inventar.

 

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