Fapeg fomenta: Espécies nativas da flora do Cerrado e Pantanal ganham protagonismo em projeto para recuperar áreas degradadas

O novo modelo integra ciência, inovação, sustentabilidade e geração de protocolos em propostas em rede de pesquisadores e inaugura um novo paradigma para restauração ambiental no Brasil. O modelo mostra que é possível curar a terra, preservar a biodiversidade e gerar desenvolvimento, tudo ao mesmo tempo – e com raízes fincadas na própria natureza

Goiás lidera uma pesquisa em rede com várias instituições de ensino superior com o objetivo de selecionar, aprimorar e acelerar o crescimento de mudas de espécies nativas da flora do Cerrado e do Pantanal para torná-las mais tolerantes e resistentes para aplicação na recuperação de áreas degradadas nos dois biomas da região Centro-Oeste.

O estudo é coordenado pelo Instituto Federal Goiano (IF Goiano) e pretende consolidar parcerias entre os seus 13 programas de pós-graduação com os PPGs da Universidade de Rio Verde (UniRV), Universidade Federal de Rondonópolis (UFR/MT), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Universidade Federal de Goiás (UFG). As pesquisas vão identificar quais plantas nativas têm mais potencial produtivo para, além de contribuírem para a recuperação do solo e da vegetação, também produzem biomoléculas de interesse econômico.

Avaliação de gases de efeito estufa

A pesquisa conta com financiamento total de R$ 6.250.400,00 sendo R$ 1.250.400,00 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) para auxílio financeiro e R$ 5 milhões da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para o fomento de bolsas. O projeto intitulado “Rede de pesquisas de espécies nativas do Cerrado e Pantanal, potencialmente fornecedoras de biomoléculas e alimentos, visando acelerar e aumentar a eficiência na recuperação de áreas degradadas” foi um dos quatro apresentados pela Fapeg e aprovados pela Capes no edital 12/2023 – Redes de Pesquisa e Desenvolvimento da Região Centro-Oeste – Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação – Parcerias Estratégicas nos Estados (PDPG Centro-Oeste) que tem como objetivo fomentar projetos de formação de recursos humanos para pesquisa, desenvolvimento e inovação sustentáveis, em eixos estratégicos de bioeconomia, biotecnologia e biodiversidade, conduzidos por Programas de Pós-Graduação stricto sensu.

Do solo à indústria
A pesquisa é inovadora e pretende mudar os rumos da recuperação ambiental aliando ciência, conservação da biodiversidade e desenvolvimento econômico sustentável. O projeto avança com base em uma proposta ampla: identificar e mapear áreas degradadas, formar um banco de germoplasma, desenvolver protocolos de germinação e cultivo de mudas, testar bioinsumos capazes de melhorar a resistência das espécies plantadas em condições adversas. Ao mesmo tempo, aposta em uma abordagem diferenciada: unir a recuperação ambiental com a geração de valor econômico, por meio do aproveitamento de produtos naturais com potencial na indústria alimentícia, cosmética e farmacêutica.

Inovações

A coordenada do projeto, professora Juliana de Fátima Sales, do IF Goiano, explica que, entre as inovações mais significativas da iniciativa está a análise tecnológica de sementes com imagens de raio-X, RGB e multiespectrais, garantindo maior qualidade no plantio. Outra frente é o desenvolvimento de bioinsumos — produtos feitos a partir de microrganismos e vegetais — adaptados às condições extremas da região. Além disso, será criado um banco de germoplasma e implantadas áreas de pesquisa de longa duração, garantindo continuidade e escalabilidade às ações.

As biomoléculas extraídas de plantas nativas, como flavonoides, óleos essenciais e antioxidantes, terão aplicação em cosméticos, alimentos funcionais e até medicamentos. Já os frutos nativos serão utilizados na produção de farinhas, polpas, bebidas e suplementos com apelo saudável e sustentável.

“Queremos contribuir para o aumento da recuperação de áreas degradadas no Cerrado e Pantanal; elevar a eficiência e reduzir o tempo de recuperação de áreas degradadas; determinar e criar padrões de qualidade de sementes, permitindo a identificação e obtenção de lotes com alta qualidade para a produção de mudas; definir modelos de gestão das áreas recuperadas e enriquecidas com espécies fornecedoras de madeira, alimentos ou biomoléculas de interesse econômico; desenvolver formas de utilização de frutos nativos no desenvolvimento de produtos para a  alimentação humana; desenvolver bioinsumos a base de vegetais e microrganismos; formar recursos humanos altamente qualificados (técnicos, graduados e pós-graduados) mais capacitados para atuarem no desenvolvimento de tecnologias a base de recursos genéticos do Cerrado e Pantanal; implantar duas áreas de pesquisa de longa duração envolvendo a recuperação de áreas degradadas com as espécies descritas,” destaca a pesquisadora.

MapBiomas
Pela primeira vez desde o início da validação e publicação de alertas de desmatamento no Brasil, em 2019, a iniciativa MapBiomas Alerta registrou, em um mesmo ano (2024), queda na perda de cobertura de vegetação nativa em todos os biomas do país. A análise dos dados por estado mostra que Goiás teve uma expressiva queda de 71% no desmatamento em 2024. O Estado passou de 69.388 hectares de vegetação nativa suprimida em 2023 para 19.467 hectares em 2024. Para Juliana Sales “o avanço no cenário da recuperação de áreas degradadas em Goiás tem sido impulsionado por políticas públicas, parcerias institucionais e engajamento comunitário com foco principal na restauração do bioma Cerrado, essencial para a biodiversidade e a segurança hídrica da região. A recuperação eficaz dessas áreas representa a única possibilidade para conter a acelerada perda de espécies endêmicas e de potencial econômico e alimentício, além de diminuir as alterações no clima e garantir a segurança hídrica da região”, destaca.

Benefícios ambientais, sociais e econômicos
A recuperação das áreas degradadas trará ganhos ambientais inestimáveis, como a proteção da biodiversidade e o reforço da segurança hídrica. Mas os impactos vão além: comunidades locais e produtores rurais serão diretamente beneficiados com capacitação técnica, geração de renda, novos empregos e valorização do conhecimento tradicional. Tudo envolvendo o forte compromisso do Projeto de Pesquisa, que é a formação de profissionais altamente qualificados e o fortalecimento dos Programas de Pós-Graduação.

“A implementação dos projetos cria oportunidades de emprego e renda para as comunidades locais, muitas das quais dependem dos recursos naturais para sua subsistência. Isso pode ser alcançado através de atividades como plantio de mudas, manejo de áreas restauradas, ecoturismo, e ganhos econômicos nos sistemas integrados, proporcionando uma fonte de renda estável e sustentável. A exploração agropecuária em sistemas integrados de produção proporciona maior geração de emprego e renda, além de benefícios econômicos para a região. A produção de espécies florestais, agrícolas e forrageiras na mesma área envolve a necessidade de envolvimento de diferentes profissionais (engenheiro florestal, agrônomo, veterinário, zootecnista, entre outros). Além de que o número de trabalhadores empregados por área é maior nesses sistemas do que na monocultura de grãos ou pasto. Assim, o número de produtos comercializados e cadeias produtivas desenvolvidas nas regiões com sistemas integrados de produção agropecuária é maior, o que gera externalidades positivas”, destaca a professora.

No aspecto tecnológico, o projeto irá desenvolver e aplicar tecnologias inovadoras para monitorar, avaliar e restaurar os ecossistemas, o que inclui, por exemplo, o uso de microrganismos e do hidrogel, além de propiciar a formação de profissionais nos mais altos níveis de ensino.

Metas

·         Integração da recuperação ambiental com geração de valor econômico: O projeto propõe o uso estratégico de espécies nativas que, além de recuperarem o solo e a biodiversidade, possam fornecer temporariamente biomoléculas, alimentos e até madeira. Isso conecta a recuperação ecológica com cadeias produtivas sustentáveis, agregando valor econômico e tornando a restauração mais atrativa para produtores e comunidades locais.

·          Tecnologias de precisão para qualificação de sementes: O uso de imagens de raios X, multiespectrais e RGB para analisar e classificar a qualidade de sementes é um salto importante para garantir alta taxa de sucesso na germinação e no estabelecimento de mudas. Essa abordagem de alta tecnologia para seleção de sementes é ainda pouco aplicada em larga escala na recuperação de biomas brasileiros.

·         Desenvolvimento de bioinsumos adaptados às condições extremas: O projeto inclui a inovação de desenvolver bioinsumos à base de plantas e microrganismos que sejam especialmente eficazes em condições adversas típicas de áreas degradadas do Centro-Oeste. Isso pode acelerar o crescimento das mudas e aumentar as taxas de sobrevivência.

·          Sistemas integrados de recuperação com espécies produtivas: A proposta de testar sistemas integrados que combinem recuperação com cultivo de espécies fornecedoras de biomoléculas e alimentos é uma inovação que vai além da simples revegetação: é um modelo de restauração produtiva, que pode servir como exemplo para outras regiões do país e do mundo.

·         Criação de áreas de pesquisa de longa duração e banco de germoplasma: O estabelecimento de áreas experimentais permanentes e de um banco de germoplasma especializado fortalece a base científica e tecnológica necessária para uma recuperação ambiental mais eficiente e escalável.

·         Capacitação e inclusão social: O foco na formação de recursos humanos altamente qualificados e na aproximação com produtores e assentamentos rurais é uma inovação social importante. Ela assegura que o conhecimento gerado não fique restrito à academia, mas chegue à ponta, criando um ciclo virtuoso de inovação e aplicação.

Governo na palma da mão