Fapeg e UEG realizam estudo sobre poluentes no Rio Meia Ponte
A garantia do saneamento e acesso universal à água segura faz parte dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) adotados em 2015, durante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). A oferta de água potável vem diminuindo em várias partes do mundo e uma das principais causas é o constante e progressivo descarte de poluentes, sejam domésticos, agrícolas, hospitalares e industriais ao meio ambiente. A situação é agravada quando a água dos rios passa a ser contaminada por cepas de bactérias resistentes selecionadas pelo descarte indiscriminado de antibióticos no meio ambiente com sérios efeitos na biota.
“Essas linhagens multirresistentes de bactérias – resistentes a vários antibióticos – que vão sendo selecionadas com o tempo e que retornam para a sociedade durante o abastecimento de água são de difícil tratamento com os antibióticos tradicionais, o que dificulta o combate das infecções, pois a indústria farmacêutica nem sempre consegue acompanhar essa evolução das bactérias resistentes com a criação de medicamentos mais potentes, mais eficientes para o tratamento dessas novas linhagens”, explica a pesquisadora Elisa Flávia Luiz Cardoso Bailão.
A pesquisadora, que é professora da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e sua equipe vão realizar, nos próximos dois anos, um estudo pioneiro na detecção de antibióticos em efluentes do Estado de Goiás. “O objetivo da nossa pesquisa é desenvolver um conjunto de estratégias simples e rápidas para o monitoramento de efluentes e a detecção de antibióticos que podem contribuir para a resistência antimicrobiana da população do estado de Goiás”, diz a pesquisadora.
Segundo levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU 2019), as infecções causadas por esses patógenos causam cerca de 700 mil óbitos anualmente, e existem previsões para que esse número aumente para 10 milhões de óbitos até 2050. Dentre as bactérias resistentes que ameaçam a saúde da população está Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA). No Brasil, são poucos os estudos sobre essa situação e a identificação de reservatórios ambientais de MRSA é fundamental para o controle da disseminação de infecções por esse patógeno.
Rio Meia Ponte
A proposta é monitorar a qualidade da água de todo o Rio Meia Ponte, da nascente à foz, passando pela Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) Dr. Hélio Seixo de Britto; detectar possíveis reservatórios ambientais de bactérias multirresistentes presentes no estado de Goiás, e uma vez detectados diminuir a disseminação e expansão desses reservatórios. “Vamos investigar possíveis locais de descarte ilegal de antibióticos, caso isso exista em Goiás; e contribuir com o estabelecimento de concentrações seguras desses antibióticos em efluentes”, destaca Elisa Bailão.
Os resultados das pesquisas poderão auxiliar na tomada de decisões no âmbito da gestão pública, subsidiando medidas de planejamento, controle, recuperação, preservação e conservação do meio ambiente, pensando em saúde humana do ponto de vista holístico. Não existe saúde humana sem saúde do meio ambiente, comenta a pesquisadora.
O Rio Meia Ponte, assim como a maioria dos rios urbanos, é utilizado para captação de água para abastecimento de Goiânia, mas é responsável também por receber os efluentes residenciais, comerciais e industriais tratados; porém, lançamentos irregulares sempre acontecem. “Esperamos romper o ciclo vicioso: o descarte indiscriminado de antibióticos pela população nos efluentes que leva à seleção de bactérias multirresistentes que retornam à população durante o abastecimento de água”, explica. O rio também é utilizado para irrigação e lazer.
Apoio da Fapeg
Elisa Bailão teve seu projeto de pesquisa intitulado “Resistência antimicrobiana associada à presença de antibióticos nos efluentes municipais: estratégias de monitoramento e quantificação de resíduos” selecionado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) por meio da Chamada Pública 05/2020 – 7ª edição do Programa Pesquisa para o SUS: Gestão Compartilhada em Saúde. A Fapeg vai investir aproximadamente R$ 140 mil para a execução dos trabalhos de pesquisa.
Origem
Elisa Bailão ressalta a importância do monitoramento das águas uma vez que os antibióticos que surgem nesses efluentes podem ter diferentes origens, principalmente no consumo humano ou animal. “Quando consumimos, tanto nós quanto os animais de pecuária, por exemplo, excretamos esses antibióticos ou pelo menos os seus metabólitos na água. Outras vezes as pessoas fazem o descarte incorreto desses antibióticos no vaso sanitário ou no próprio lixo e isso, em algum momento, acaba chegando, direta ou indiretamente, nesses efluentes. Temos também que pensar no descarte ilegal desse material, por exemplo, uma indústria farmacêutica”, comenta.
A pesquisa
Oito pontos de coleta de água serão definidos, sendo um próximo à nascente do Rio Meia Ponte no Município de Itauçu; um entre a nascente e a Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) Dr. Hélio Seixo de Britto, localizada na região do Setor Goiânia 2; um dentro da ETE antes do tratamento do efluente; um após a fase primária do tratamento do efluente; um após a fase secundária do tratamento; um onde o efluente tratado é lançado no Rio Meia Ponte; um entre a ETE e a foz; e, por último, um ponto próximo a foz do Rio Meia Ponte, no município de Cachoeira Dourada. As coletas serão realizadas nas duas estações bem definidas em Goiás: seca e chuva de dois anos consecutivos, totalizando 32 pontos amostrais.
A ETE Goiânia tem capacidade média de tratamento de esgoto doméstico de 1410 l/s. O efluente chega à ETE por gravidade das bacias de contribuição (Macambira, Cascavel, Vaca Brava, Botafogo, Meia Ponte, João Leite, Caveirinha e Taquaral). O tratamento do efluente é composto por duas fases: primária, constituída por um processo quimicamente assistido, pela adição de coagulante, seguido de polímero aniônico e decantação primária; e secundária, constituída por lodos ativados, com posterior tratamento e disposição final do efluente tratado no corpo receptor (Rio Meia Ponte).
Poluentes emergentes
Com os estudos, os pesquisadores pretendem subsidiar melhorias no sistema de tratamento de efluentes porque, segundo a pesquisadora Elisa Flávia Bailão, “a maioria dos sistemas de tratamentos de efluentes não consegue remover esses poluentes, chamados de poluentes emergentes pelos métodos tradicionais de tratamento”. Ela comenta que os poluentes emergentes ainda são pouco conhecidos do ponto de vista de legislação e do ponto de vista de quantidade segura que podem estar presentes.
“O monitoramento da qualidade de água com uso das técnicas propostas neste projeto poderá fomentar parcerias entre a UEG e a empresa majoritariamente estatal responsável pelo saneamento básico de Goiás, a Saneago, que ainda não detém a tecnologia para este nível de controle de qualidade de água proposto aqui”, ressalta a pesquisadora. Aos órgãos de fiscalização ambiental, ela entende que os resultados poderão servir como ferramenta para orientação da população e para eventuais investigações de descarte ilegal de antibióticos, que podem selecionar bactérias multirresistentes.
Estratégias
Um conjunto de estratégias para esse monitoramento será utilizado. Serão avaliados parâmetros físico-químicos das amostras com o auxílio de uma sonda multiparamétrica; avaliação da toxicidade será feita utilizando a bactéria bioluminescente bioindicadora Vibrio fischeri. No laboratório, serão isoladas linhagens de S. aureus dos pontos coletados e a identificação será confirmada usando coloração de Gram e os testes de coagulase e catalase. Dentre as colônias isoladas, as linhagens multirresistentes (MRSA) serão confirmadas pela pesquisa do gene de resistência à meticilina (mecA) por reação em cadeia da polimerase (PCR). Por fim, a presença de antibióticos nos pontos amostrados será investigada por cromatografia a líquido de alta eficiência com detector de arranjo de diodos (CLAE-DAD) e espectrometria de massas.
Importância do edital
A pesquisadora ressalta que o edital PPSUS será fundamental para o desenvolvimento de novos métodos de monitoramento do ambiente que possam impactar a saúde humana; o estabelecimento de parcerias com o setor produtivo; a nucleação de grupos de pesquisa; a formação de recursos humanos; o fortalecimento dos Programas de Pós-Graduação com a destinação de bolsas; e a sustentação do tripé da Universidade (ensino, pesquisa e extensão), uma vez que o objetivo final de uma pesquisa desenvolvida no ambiente acadêmico é a sua aplicação direta ou indireta na sociedade.
Elisa Flávia Luiz Cardoso Bailão ministra as disciplinas de Hematologia e Imunologia Clínica para o curso de Farmácia da Universidade Estadual de Goiás. Neste projeto estarão envolvidos alunos de Graduação em Farmácia e Pós-Graduação em Recursos Naturais do Cerrado (tanto de mestrado quanto de doutorado). “A formação de recursos humanos de qualidade resulta em impacto socioeconômico para o Centro-Oeste, originando profissionais qualificados para o mercado de trabalho regional e nacional”, ressalta a pesquisadora.
O PPSUS
O PPSUS é uma parceria da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) com o Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Secretaria de Estado da Saúde (SES). É um programa que tem como proposta fomentar e fortalecer pesquisas científicas, tecnológicas ou de inovação que tenham potencial para oferecer novos serviços e dar respostas a problemas mais urgentes de saúde enfrentados pelos usuários do SUS. As linhas temáticas para as pesquisas foram escolhidas antes do lançamento da Chamada Pública durante as oficinas de prioridades de pesquisa em saúde.
Fonte: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg)