Eles acharam que era briga de namorados…

Dezembro. O mês mais especial para Sabrina Lélis. Temporada de celebrações, inclusive pelo seu aniversário. Mas, em 2012, tudo foi bem diferente.

"A polícia prendeu nesta segunda-feira (25) um homem de 31 anos suspeito de estuprar e estrangular uma jovem de 16, no dia 1º de dezembro do ano passado, em Trindade, Região Metropolitana de Goiânia. O corpo da adolescente só foi encontrado seis dias depois, em um chiqueiro desativado dentro de uma chácara, no Setor Maísa II".
(G1 – Goiás / 25.02.13)

A barbaridade que a mídia noticiava tinha acontecido no primeiro dia de dezembro de 2012. “Crimes contra a vida e contra a dignidade sexual sempre marcam. E eu me lembro que esse estupro, seguido de morte, ocorreu perto do meu aniversário”, diz a delegada Sabrina, 39 anos, hoje titular da Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Cibernéticos, e, àquela época, chefe da Delegacia de Trindade.
 
O caso foi tão “emblemático”, como qualifica a delegada, que mesmo tendo sido transferida para Goiânia (primeiro para o 26º DP, no Jaó, e mais tarde para a Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra a Ordem Tributária – DOT), ela continuou as investigações.
 
– Como aconteceu tudo, delegada?
 
“Uma moça de 16 anos estava indo para o trabalho sábado de manhã e, para chegar ao ponto de ônibus, precisava passar por um matagal. O cara puxou a jovem para a mata, várias pessoas viram, como vizinhos e motoristas de ônibus, mas acharam que era briga de namorados. O homem colocou o braço em volta do pescoço dela, como se a estivesse abraçando. Ninguém fez nada!”
 
Pausa para uma breve digressão da repórter, porque o incômodo da delegada, agora, passou a ser meu também. Como as pessoas veem “um cara puxando uma mulher para uma mata” e não fazem nada?  E daí se achavam que era briga de namorados? Afinal, desde quando um namorado, um marido, um pai, um irmão ou até o papa pode tratar uma mulher de forma violenta? Sério que eles ainda viviam com a máxima de que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”? Triste é constatar que sim, eles ainda criam neste disparate.
 
O desfecho da história choca ainda mais. O corpo da adolescente foi encontrado seis dias depois, em um chiqueiro. Ela havia sido estuprada e morta, por estrangulamento, com o cinto do agressor.
 
Acho que só consigo terminar este texto porque a delegada não desistiu do caso e porque o homem foi preso em fevereiro de 2013, conforme mostrou o trecho da reportagem acima. Um suspiro profundo meu… para conseguir voltar a digitar…
 
Sete anos depois…
 
2019. “Em briga de marido e mulher, o governo mete a algema no agressor”. O ditado mudou. E a determinação, agora, partia do chefe de Estado de Goiás, Ronaldo Caiado. O governador lançou, em novembro de 2019, o Pacto Goiano pelo Fim da Violência Contra a Mulher.

A redução dos índices de criminalidade contra as goianas deixou de ser mero discurso para se tornar política pública. Com metas, polícias integradas e monitoramentos constantes realizados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP). “O que estamos fazendo é uma convocação e uma determinação que dou a todas as autoridades de Goiás”, reforçou Caiado, no evento de lançamento da campanha “Todos por elas”.    
 
Sabrina já cumpria com empenho essa missão. Ela, que se formou em direito em uma universidade de Minas Gerais e veio para o Estado limítrofe depois de passar no concurso da Polícia Civil de 2008, diz que desde criança queria ser policial. Quando prestou o certame em Goiás, foi bem-sucedida nas três carreiras pré-selecionadas: agente, escrivã e delegada; esta última, a escolhida.

E quando falamos que a titular da Delegacia de Repressão a Crimes Cibernéticos já cumpria a missão de defender as mulheres com compromisso, mesmo antes de uma determinação tão explícita quanto a de um governador, na verdade, o que pretendemos é ampliar esse conceito. Sabrina Lélis tem bem claro em mente qual a vocação de uma verdadeira delegada, não importando o gênero sexual da vítima:  
 
“Ser delegada significa ter orgulho da profissão e ter responsabilidade social. Muitas vezes não dá para separar trabalho de casa e se desligar completamente. Trabalhamos depois do expediente, os momentos de lazer são reduzidos. Não foram poucas as vezes que dormi e acordei pensando em algum caso para averiguar qual ponto poderia ser decisivo na investigação”, diz ela.

Do lado de cá, da sociedade, posso dizer que é isso mesmo que esperamos. Mais, aliás: que a frase “não devemos nos meter em briga de marido e mulher, ou de namorados…” caia por terra, literalmente. Ela, a frase, e também o comportamento, que caiam por terra; e não tantas jovens com vidas e sonhos interrompidos pela nossa omissão em não interferir no mal, e fazer, diligentemente, o bem.

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