Levantamento revela perfil das reeducandas goianas
Por Lívia Amaral
Fotos: Eduardo Ferreira
Foi após uma semana na Casa de Prisão Provisória, em Aparecida de Goiânia, que Bruna Luana Rezende Silva, 25 anos, descobriu que estava grávida. Presa por tráfico de drogas, a jovem acreditava que estava ajudando a família a ter uma vida melhor. Assim como Bruna, a maioria das mulheres presas em Goiás cumpre pena por narcotráfico. Os dados da Agência Goiana do Sistema de Execução Penal (Agsep) revelam também que grande parte delas é jovem (entre 18 e 34 anos), casada, parda e semianalfabeta (veja quadro abaixo).
[singlepic id=86 w=320 h=240 float=right]Na cadeia Bruna percebeu que o meio que estava utilizando para isso traria muito mais dor e geraria muito mais dificuldades financeiras para seus familiares do que se estivesse trabalhando honestamente. Ao olhar hoje para a filha de um ano e dois meses, ela se lembra de tudo o que perdeu com a criminalidade. “Foi uma decepção muito grande. Eu acreditei que estava fazendo aqui para ajudar a minha família, que não era para prejudicar ninguém. Para mim foi muito triste, porque onde eu estou agora não tenho condições de ajudar minha família”, lembra.
Bruna aprendeu no presídio a plantar e cuidar da horta. A filha, que vive com ela no Centro de Inserção Social (CIS) Consuelo Nasser – Presídio Feminino, trouxe novo sentido à vida da detenta. “Eu agora penso duas vezes antes de fazer algo errado, se eu fizer alguma coisa, não vou poder ficar com a minha filha aqui. Eu não me vejo mais lá fora cometendo algo errado, porque eu penso que se eu fizer isso, vou correr o risco de voltar para cá e ficar sem ela. Então, ela veio para mudar a minha vida, mudar a minha história”, afirma a reeducanda.
O tráfico de drogas também fez com que Núzia Gomes da Rocha, 50 anos, fosse presa. Há quase 10 anos presa (pela última vez), ela aprendeu a ler e escrever dentro do presídio, fez cursos profissionalizantes e trabalho hoje nos serviços gerais do CSI. A maior parte de sua vida esteve na prisão, tendo sido presa pela primeira vez aos 24 anos. Confira trechos da entrevista de Núzia.
[singlepic id=83 w=320 h=240 float=left]“Minhas amigas me chamaram para fazer programa, mas não me adaptei e resolvi traficar. Eu recebi um dinheiro de um serviço e uma amiga sugeriu que esse dinheiro poderia render mais. Achei fácil, que era só entregar e pegar. Nunca tinha visto aquele monte de dinheiro. Eu não tinha aquela experiência com aquele tanto de dinheiro. Mas foi um dinheiro que saiu muito caro, que se transformou em muitas lágrimas, muita tristeza e muita perda. Acho assim no meu pensar: não valeu a pena. Foi um dinheiro que eu fui viciando, cada vez mais e mais. E um dia, como se diz: a casa caiu, não caiu só a casa, caiu o mundo”, avalia Núzia. Confira mais trechos da entrevista de Núzia.
Na cadeia ela teve uma segunda chance. Da primeira vez que foi para o regime semiaberto, ela não se adaptou. Era difícil ter que deixar a família no momento de maior confraternização, em que se reuniam para jantar e assistir a televisão juntos, para dormir no albergue. Agora ela se prepara para mais uma vez tentar começar de novo. Com o dinheiro do pecúlio (poupança para presos) ela pretende montar sua oficina de costura. “Eu tenho certeza que esse mundão está me esperando, assim como esse dinheiro [pecúlio], mas honesto. Eu quero muito”, diz a reeducanda.
Influência
Avaliação do presidente da Agsep, Edemundo Dias, aponta que a entrada dessas mulheres no mundo do crime ocorre em grande parte das vezes por influência dos companheiros. (Confira trechos da entrevista de Edemundo). A história de Cristiana Ribeiro dos Santos, 34 anos, mostra um pouco desse envolvimento. Ela começou a cometer assaltos à mão-armada para acompanhar o marido, que necessitava de um novo parceiro.
Os dois foram presos juntos e hoje ele está em liberdade condicional. Cristiana está há dez anos presa. Seu tempo de prisão (sem progressões de regime) é de 34 anos. Ela conta que descobriu as atividades criminosas do marido após o casamento. Ela tinha 15 anos e ele 25. “Eu nem imaginava. Comecei a desconfiar por causa das quantias de dinheiro e comecei a perguntar a ele”, lembra.
Certo dia o esposo a levou para conhecer seu “trabalho”. Ela afirma que ficou assustada e que ele disse que iria parar. O que não aconteceu. “Ele tinha um parceiro e mataram o parceiro dele. Eles têm essa coisa de ter um parceiro e matar quando pega certa quantia de dinheiro. Ai eles matam um para ficar com o dinheiro todo. Com medo de matarem ele, eu decidi ser parceira dele, preferi roubar com ele do que ele ter esse risco”, relembra.
Foram cerca de 10 anos roubando carros, pedestres, mercados, entre outros. Ao ser presa, ela passou por um longo período de crise, até aceitar o que havia ocorrido e mudar seu pensamento e comportamento. “O trabalho ajuda muito. Entrei em depressão durante meses, de não querer sair da cama. Eu pensava que não iria aguentar. É nessa hora que Deus dá força. Tem horas que dá vontade de fazer loucura. Recebemos atendimento de psicólogo, psiquiatra, assistente social [veja quadro abaixo]. Então isso ajuda muito. Eles conversam com a gente. Foram eles que mudaram a minha cabeça. Antes eu não aceitava nada. Porque eu dizia que eu não era louca, depois que eu vi que não era nada disso”, recorda.
Ela continua com o marido. Mesmo sem previsão para sair da cadeia, ela traça planos com o marido. Segundo Cristiana, hoje os dois caminham na legalidade e traçam planos para o futuro. Na prisão retomou e concluiu os estudos (ela havia parado na 5ª série), e trabalha na horta.
Avaliação
[singlepic id=84 w=320 h=240 float=right]A doutora em Sociologia pela UnB, Dalva de Souza, avalia que entre 2005 e 2012, de acordo com dados do Depen-MJ, houve em Goiás um crescimento de mais de 90% no encarceramento de mulheres. Esse crescimento, segundo ela, parece ter ocorrido em decorrência da prisão por tráfico de drogas.
Para Dalva, esse aumento também é reflexo de uma série de fatores: o enrijecimento das leis referentes a drogas; do prevalecimento de relações desiguais de gênero no mundo legal e se reproduzem no mundo ilegal; As mulheres são chamadas a substituir, em funções subalternas, seus companheiros quando eles são presos, o que favorece a sua prisão.
Outra ponderação importante é que as mulheres sempre passaram por processos de vitimização, ou seja, foram consideradas vítimas e o tratamento dado a elas sempre foi mais paternalista, inclusive quando cometiam crimes. Isso pode estar mudando; O Brasil é um dos países em que mais cresceu o encarceramento geral, de homens e de mulheres e tem hoje a terceira maior população carcerária do mundo (Veja quadro abaixo). E segundo a socióloga, é necessário questionar se aumentou a criminalidade feminina ou aumentou o encarceramento em geral e o feminino em particular.
[singlepic id=85 w=320 h=240 float=left]Pesquisas realizadas nos Estados Unidos mostram que em séries históricas de longos anos não mudou o perfil da criminalidade feminina. Segundo Dalva de Souza, os crimes aumentaram, porém não os violentos ou de alto poder ofensivo (homicídio, latrocínio, roubo, crimes de colarinho branco) que permanecem crimes de homens ou de machos. As mulheres dedicam-se, segundo essas estatísticas, a furtos em lojas, bater carteiras nas ruas, passar cheques sem fundo, prostituição, vagabundagem.
De acordo com a doutora em Sociologia, o perfil socioeconômico das mulheres encarceradas não difere do perfil masculino. “São mesmo os pobres, com poucos anos de escolaridade, negros e pardos, moradores da periferia e jovens que vão para as prisões brasileiras. É até possível que as mulheres encarceradas tenham escolaridade superior à dos homens, o que reflete também o que se verifica na população em geral. Mostra quem é empurrado para crime e que o sistema de justiça criminal é seletivo e repercute a desigualdade da sociedade brasileira”, conclui. (L.A.)