Por Fernando Netto Safatle
Economista e ex-Secretário de Planejamento de Goiás. Coordenou esse Plano de Governo.
A transição democrática dava seus primeiros passos, tocada na marcha batida do ritmo da abertura lenta e gradual. As manifestações gigantescas clamando por eleições diretas não foram capazes de romper com os grilhões da ditadura que arrastava suas correntes dentro do Congresso e impedia arremessar seu entulho autoritário para as calendas. As aspirações democráticas não foram atendidas em sua plenitude sendo o presidente ainda escolhido indiretamente, resquício autoritário implantado pelos militares. Contudo, a agenda democrática não se esgotara e era preciso avançar nas conquistas e aprofundar as transformações democráticas.
Esse era o contexto que predominava nas eleições de 1986.
A candidatura de Henrique Santillo para o governo do estado, nascida que fora no bojo de uma luta aguerrida dentro do MDB entre os autênticos e moderados, estava comprometida com as teses e ideais do segmento mais combativo contra o regime militar. Sofria resistências internas e se impôs não como articulação de cúpula, mas, sim, através de uma intensa mobilização de suas bases consubstanciadas com o projeto de Mobilização Popular que reuniu e debateu com a militância do interior e da capital. A pressão das bases se tornou irresistível, consolidando a candidatura de Santillo.
É importante resgatar essa trajetória de luta de Santillo dentro e fora do MDB para compreender o relevo que assume a questão democrática e a importância da participação popular como eixo central na sua campanha, na formulação do planejamento, e como dinâmica de seu programa de governo.
Antes de tudo, Santillo procurou revigorar a Fundação Pedroso Horta, instituto de estudos e pesquisas do MDB, dando-lhe as condições necessárias para assumir a tarefa de elaborar o programa de governo. A Fundação Pedroso Horta conseguiu agregar mais de 200 profissionais das mais diferentes áreas de conhecimento, distribuídos em 23 grupos de trabalho. Esses profissionais depois foram ocupar posições estratégicas na estrutura administrativa do estado, contribuindo decisivamente para disseminar uma cultura de planejamento e implementar o programa de governo. O resultado dessa formação de planejamento trouxe consequências até os dias de hoje, pois, em sua grande maioria esses técnicos continuam ocupando posições privilegiadas no aparelho de estado. Não resta dúvida que a formação e disseminação da cultura do planejamento conduzida pela Fundação Pedroso Horta fez escola em Goiás.
O compromisso era de iniciar um novo ciclo na administração em Goiás, romper com o improviso e estabelecer uma gestão planejada.
A única experiência marcante em Goiás de planejamento fora do governo Mauro Borges. Contudo, era outro contexto. A tese nacional desenvolvimentista, marca do governo getulista, chegara tardiamente em Goiás. O plano MB centrara sua dinâmica na criação de uma estrutura governamental com capacidade indutora de gerar e impulsionar o desenvolvimento do estado. Assim sendo, várias empresas foram criadas, como a Metago, Iquego, Osego, entre outras.
Agora, a conjuntura era outra. Tratava se de ancorar o planejamento no aprofundamento do processo democrático e na correção das desigualdades sociais e regionais. Isso requeria uma nova abordagem de conteúdo crítico ao modelo de desenvolvimento econômico vigente que deixou suas sequelas no acentuado grau de concentração de renda e desequilíbrios regionais embalado pelo rufar dos tambores do regime militar que se espraiou a todos os rincões do país. Era imperioso corrigir rumos estratégicos de nossa economia que agonizava na condição de mera exportadora de matérias primas, se eternizando secularmente como economia periférica. O desafio era desenvolver uma política capaz de aumentar e potencializar a produção, mas buscando industrializar e agregar valor à nossa produção.
Por outro lado, também era necessário realizar todo esse esforço de elaboração dentro de um compromisso de engajamento o mais amplo possível da população na elaboração do programa de governo.
Depois de um exaustivo debate interno dentro do MDB com a realização de 13 Encontros Regionais e com a discussão com diversos segmentos partidários, como o das Mulheres e da Juventude, elaboramos uma primeira versão do documento. De forma inédita esse documento tomou a forma de uma cartilha que foi distribuída massivamente à população goiana. Ainda, como ampliação do processo de participação, foi feita uma consulta popular, através do programa eleitoral de rádio e televisão aberta a sugestões, que depois foram sistematizadas e incorporadas ao documento final.
Dessa forma o processo de elaboração participativo e democrático do programa de governo acabou se transformando no eixo principal da campanha incentivando o debate de ideias e propostas. Pela primeira vez, em uma campanha eleitoral em Goiás, a discussão do programa de governo assumia um papel estratégico no debate eleitoral.
Santillo, mais do que ninguém, elevou a patamar inusitado seu compromisso democrático, resgatando seu passado de lutas e concretizando na prática seu compromisso de mudanças. Soube ser coerente com seus ideais. Foi democrático quando iniciou o processo de elaboração participativa do programa de governo, e foi democrático quando implantou até o fim uma gestão de governo democrática. Sua marca indelével foi o seu compromisso inarredável com o planejamento democrático e o combate à injustiça social.