COP16: Campos do Cerrado ganhando destaque internacional

Por Vinicius Cardozo-Martins

A conservação da biodiversidade do planeta é um assunto urgente e de relevância mundial, por isso, reunir vozes de todo o mundo é indispensável quando decisões precisam ser tomadas. Mas será que, de fato, todos os ecossistemas, em sua diversidade e complexidade, estão sendo considerados?

O que é a COP? A Conferência das Partes (COP) sobre a Biodiversidade é um evento organizado pela ONU com o objetivo de reunir representantes políticos, cientistas e organizações do terceiro setor (ONGs) e sociedade civil de todo o globo para discutirem e negociarem decisões acerca da conservação da diversidade biológica. Essas conferências podem desencadear soluções para problemas críticos enfrentados pelo planeta, ainda mais acentuados e urgentes diante das crises ambientais.

Diferentemente da COP do Clima, que acontece anualmente e terá sua 30ª Edição sediada em Belém (PA), no Brasil, a COP da Biodiversidade acontece a cada dois anos, e teve sua 16ª Edição realizada em Cali, na Colômbia, em outubro de 2024. Essa última edição foi a primeira realizada após o Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal, aprovado na COP 15, em 2022, estabelecendo 23 metas globais que devem ser alcançadas até 2030, dentre as quais se encontra o objetivo de conservar pelo menos 30% dos ecossistemas nativos e restaurar, no mínimo, 30% dos ecossistemas degradados, ambos com enfoque para a importância da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

Diante desse contexto, cientistas especializados em ecologia, conservação e restauração do mundo redigiram uma carta aberta, para a COP16. O objetivo foi conscientizar e trazer visibilidade aos ecossistemas abertos — em especial os campos e savanas tropicais e subtropicais, como os encontrados no Cerrado — que, historicamente, são invisibilizados e negligenciados em políticas ambientais de conservação e restauração. Estas, são muitas vezes formuladas tendo-se como referência ecossistemas florestais que, não se engane, devem ser restaurados, mas somente naqueles lugares onde antes já existia uma floresta. Ainda assim, frequentemente campos e savanas são considerados alvos para plantio de árvores em larga escala. Tal prática não só coloca em risco a biodiversidade extremamente rica que compõe esses sistemas, como também ameaça à integridade de serviços ecossistêmicos de extrema importância para a sociedade, como a segurança hídrica (Saiba mais em: https://goias.gov.br/camposdocerrado/as-veredas-e-seus-enormes-estoques-de-carbono/).

A iniciativa de escrita da carta foi tomada por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA), reunindo 137 assinaturas de especialistas filiados instituições de pesquisa de 25 países diferentes. Na COP 16, a leitura da carta foi realizada no Pavilhão Brasil, espaço destinado a discussões acerca da conservação e uso sustentável da biodiversidade no país e na palestra da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), associação composta por membros da sociedade civil e governamental cujo foco é encorajar a conservação da natureza e o uso sustentável dos recursos naturais. 

Para que a carta continuasse reverberando e atingindo outras as esferas, incluindo as que não estavam presentes na COP 16, os autores a publicaram no periódico científico Plants, People, Planet. Você pode acessar e ler em inglês a carta na íntegra aqui: https://doi.org/10.1002/ppp3.10635.  Ou leia a versão em português abaixo:


Carta aberta: Há mais do que apenas árvores e florestas para serem conservadas e restauradas.

Carta aberta aos tomadores de decisão na 16ª reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 16, Cali, Colômbia, 2024)

Campos e savanas tropicais e subtropicais foram historicamente negligenciados tanto nas políticas de conservação locais, quanto globais. Como resultado, quase metade de sua cobertura foi perdida. Em 2023, a savana mais biodiversa do mundo (Cerrado brasileiro) perdeu 1.110.326 ha, aumentando em 67.7% a taxa de mudança no uso da terra (MapBiomas, 2024). As perdas decorrentes na biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos, incluindo a capacidade de mitigação das mudanças climáticas, são graves e irreversíveis.

Como cientistas de todo o mundo especializados em ecologia, conservação e restauração, pedimos aos tomadores de decisão/formuladores de políticas na COP 16 que atuem de maneira decisiva: Campos e savanas tropicais e subtropicais são importantes para a proteção da biodiversidade, e o futuro do planeta depende desses ecossistemas, da mesma forma que depende das florestas.

Nós insistimos para os seguintes compromissos:

  • Priorizar a conservação e o manejo adequado de campos e savanas.
  • Estabelecer mecanismos para reduzir e interromper a mudança no uso da terra nesses ecossistemas imediatamente.
  • Promover conservação alinhada com atividades econômicas locais, como ecoturismo e iniciativas bioeconômicas sustentáveis.
  • Rejeitar iniciativas de aflorestamento disfarçadas de esforços de restauração que prejudicam esse ecossistema único.

Campos e savanas portam uma extraordinária biodiversidade composta por fauna e flora dependente de luz, podendo atingir até 60 plantas por metro quadrado em algumas regiões (Silva Menezes et al., 2018; Wilson et al., 2012). Muitas dessas espécies são endêmicas e estão em risco de extinção. Esses ecossistemas ancestrais são lar de um legado cultural e diversidade surpreendentes. Eles não são apenas cruciais para a conservação das espécies, mas também para a segurança hídrica e estoque de carbono. Por exemplo, a maioria dos principais rios amazônicos têm origem nos campos de altitude dos Andes, do Cerrado, e do Planalto das Guianas. Solos de turfeira nas savanas da América do Sul estocam mais carbono abaixo do solo do que as florestas tropicais estocam acima. Estes estoques de carbono, alguns datando de 40.000 anos atrás, estão ameaçados se práticas inapropriadas de uso da terra, como drenagem do solo ou plantio de árvores em larga escala, interromperem os ciclos naturais da água.

Uma vez degradados, ecossistemas abertos raramente reestabelecem sua biodiversidade original e funcionamento. A restauração eficaz segue sendo um desafio e, mesmo que promissora, ecossistemas abertos restaurados raramente recuperam totalmente sua complexidade, diversidade, ou resiliência dos ecossistemas originais (Nerlekar & Veldman, 2020; Pilon et al., 2023; Zaloumis & Bond, 2011). Isso faz com que a conservação imediata seja a ferramenta mais efetiva para mitigar as perdas de biodiversidade e manter os serviços ecossistêmicos.

A Década das Nações Unidas da Restauração de Ecossistemas não faz sentido sem a existência de políticas sólidas para reduzirem e interromperem as mudanças no uso da terra. Conservar o que resta dos campos e savanas tropicais e subtropicais é a única garantia de que gerações futuras vão se beneficiar dos serviços que esses ecossistemas realizam. Nós acreditamos no potencial da restauração, mas ela não pode substituir a proteção efetiva da biodiversidade. Políticas ambientais robustas devem ser embasadas em evidências científicas e priorizar, tanto no presente quanto no futuro, o bem-estar da sociedade. Como cientistas e cidadãos, enfatizamos a necessidade urgente de conservar o que resta desses ecossistemas. Enquanto a ciência trabalha restaurando aquilo que foi perdido, a conservação é nossa melhor defesa contra a crise na biodiversidade e a perda de serviços ecossistêmicos essenciais.

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